Segundo especialista, entre os pacientes que procuram tratamento para o problema, 80% já disseram ter considerado a ideia de tirar a própria vida
O crescimento do vício em jogos de apostas têm preocupado especialistas em saúde mental – foto Arquivo
O crescimento de pessoas viciadas em jogos de azar tem preocupado especialistas que trabalham com o tema.
De acordo com Hermano Tavares, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, o vício em jogos já é o terceiro tipo de dependência mais comum no Brasil.
O especialista e a psicóloga Maria Paula Magalhães, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, debatem sobre os transtornos do impulso.
Ainda pouco conhecidos, os transtornos do impulso podem se manifestar de diferentes formas, e estão relacionados ao uso excessivo das redes sociais, ao consumo desenfreado de pornografia e a compras compulsivas, por exemplo.
Mais recentemente, o vício em jogos de apostas também tem entrado nesse campo.
“Em termos de prevalência, de frequência na população, a dependência mais comum é o tabaco. Aí depois álcool. Terceiro lugar, e já começando a encostar no segundo, é jogo”.
“E é grave porque se associa à ruptura familiar, desemprego, endividamento crônico, e ideação suicida”, afirma Tavares.
Segundo o especialista, entre os pacientes que procuram tratamento para o problema, 80% já disseram ter considerado a ideia de tirar a própria vida.
Segundo os especialistas, a ascensão da internet e do uso de smartphones impulsionou o vício em jogos de apostas, que não são relativamente novos.
“Agora, aqueles ambientes de jogo, super elaborados, estão no bolso de cada brasileiro. Então, é uma mudança radical na forma de acesso e até de pensar como é essa relação com o jogo”, explica Tavares.
Maria Paula complementa: “Hoje, a pessoa pode jogar sozinha e ninguém está vendo. Porque se a pessoa vai ao cassino, ela tem que se deslocar até lá, tem regra, horário de funcionamento, a pessoa cansa, volta para casa. Agora não. Ela está em casa, ninguém vê que ela está apostando.”
Como é feito o diagnóstico de vício em jogos?
Para identificar a dependência em jogos, é preciso, primeiro, atentar-se aos sinais.
“A gente chama os três ‘Cs’. O primeiro ‘C’ é controle. Quando você vai jogar, você acaba perdendo o controle. Porque você joga por mais tempo do que queria, ou aposta mais dinheiro do que queria, perde mais dinheiro do que você imaginou que poderia perder”, explica Tavares.
Já o segundo “C” é de “confronto” com as emoções. “É assim: quando eu estou angustiado, triste, ou simplesmente entediado, aí você vai jogar. Isso é outro sinal de alerta”, completa. O terceiro e último item é o “C” da “caça”: “É a caça do resultado. Eu volto para recuperar o que eu perdi”, afirma.
Os especialistas alertam que os ganhos reais proporcionados pelos jogos acabam alimentando o comportamento de continuar apostando.
“Esse é o grande reforçador”, afirma Maria Paula. Segundo a psicóloga, o problema é que o jogador contabiliza os ganhos, mas não quer contabilizar as perdas.
“As perdas acontecem muito rápido. Por isso é importante a gente dizer: é jogo de azar. Você está fazendo uma aposta. Você está se pondo em risco”, reitera.
Vício em jogos tem tratamento
O vício em jogos tem tratamento e pode ser feito com apoio psicológico e, em alguns casos, medicação. “A indicação da medicação é para tratar a comorbidade psiquiátrica”, diz Tavares.
Segundo o professor, três em cada quatro jogadores que procuram tratamento têm uma comorbidade associada, como depressão e ansiedade, entre outros.
No entanto, os especialistas afirmam que existe, no horizonte, uma medicação específica para o tratamento de vício em jogos.
“Há uma medicação desenvolvida nos anos 70 para tratar a dependência de opiáceos. Nos anos 90, ela foi aprovada em bula para o tratamento de dependência de álcool”.
“E acho que a aprovação em bula para o tratamento de jogo é uma questão de mais alguns anos. Não é um milagre encapsulado, mas reduz as recaídas em até 30%”, afirma Tavares.
Ambos os especialistas reforçam a importância de buscar ajuda. “Eu gosto de dizer que, em vez de voltar e tentar recuperar o que você perdeu no jogo, a saída é: aposte em si próprio, insista, porque faz diferença”, finaliza Maria Paula.
Fonte: CNN