Por Adriana Cristofoli
Na segunda-feira, dia 09 de junho, o Cine Clube Cauim, juntamente com o Jornal Tribuna Ribeirão, promoveu o 3º Encontros com a Cidadania. Os eventos têm o objetivo de retomar encontros presenciais com assuntos relevantes para a sociedade. Nesta terceira edição, o convidado foi o procurador de Justiça aposentado e advogado criminalista, Roberto Tardelli. Tardelli foi promotor de Justiça por 30 anos e atuou na acusação contra Suzane von Richtofen. Ele é conhecido por sua firme atuação em defesa dos direitos fundamentais e por sua crítica contundente às injustiças do sistema penal brasileiro.

Recentemente lançou o livro Ainda não mudou: Direito e (In)Justiça no Brasil. Na obra, Tardelli questiona o encarceramento automático, a superlotação carcerária, o racismo estrutural e o uso indiscriminado do poder punitivo. Para ele, o papel do Ministério Público deve ser o de zelar pela legalidade, e não apenas punir. Devoto do Artigo 5º da Constituição, o advogado apresentou no encontro, uma visão crítica e apaixonada sobre o papel do direito e da cidadania em tempos de retrocessos e lutas sociais. O evento também contou com a presença do professor Gilberto Abreu e da vereadora Perla Muller, que enriqueceram o debate com observações e exemplos importantes.
Confira trechos dos principais assuntos abordados por Roberto Tardelli, durante o encontro:

Papel do Ministério Público:
“Quando saíamos da Ditadura Militar, estávamos todos fartos de tutelas estatais, de censuras, de polícias, queríamos liberdade e queríamos mais ainda que alguém pusesse limites ao Rei, ao estado todo poderoso, que nos cancelava direitos e nos criava dívidas de todos os matizes. Vinha da Escandinávia uma figura jurídica encantadora por sua audácia, ousadia e liberdade: o ombudsman, o “defensor do povo”, aquele súdito que se opunha ao próprio Rei sempre que um direito fundamental estivesse violado ou em vias de sê-lo. Aquilo nos extasiava e, no fervor constituinte de 87/88, criou-se efetivamente essa função, entregando-a ao Ministério Público, até diante de sua capilaridade. Desde então, o MP brasileiro se tornou um dos mais intervencionistas do mundo. Esse protagonismo deu ao órgão um destaque na cena processual que jamais houve. Porém, seus membros não estavam prontos em sua maioria para essa dura missão. Um MP transformador não se coaduna com sua formação elitista e o choque se tornou inevitável. Na área criminal, o compromisso não era com a garantia de direitos, mas com a “resposta social”. Isso empurrou institucionalmente os promotores em direção às comunidades de segurança e quem era para garantir direitos, passou a atuar na relativização desses mesmos direitos. O tempo, ao contrário do que diz a sabedoria popular, não foi o senhor da razão e o MP foi se tornando uma máquina acusatória, sem maiores critérios. O ápice dessa fúria acusatória se deu na Operação Lava-Jato, que dispensa legendas e comentários. Na área cível, a atuação é mais relevante e o MP é protagonista central no combate ao trabalho escravo, na proteção ambiental, na proteção à infância, na proteção à lisura eleitoral”.
PEC da Segurança Pública e Polícias Municipais:
“Na PEC da segurança pública, há vários dispositivos que devem ser prestigiados, como a federalização das águas fluviais por exemplo, ou o fluxo informativo sobre o crime organizado. Por ingenuidade, atribuiu-se ao MP o controle sobre uma nova polícia: a polícia municipal, aos moldes Grande Irmão do Norte. Juracy Magalhães, político dos anos 60, apoiador fervoroso do golpe militar, num delírio entreguista chegou a dizer que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. A polícia municipal será, a meu ver, um desastre político irreversível e gravíssimo, na medida em que irá institucionalizar falanges e milícias de impossível controle”.
Apologia ao crime:
“Definir “apologia” é interessante. Em seu sentido original, “apologia” significa “defesa”, assim, apologia do crime seria a defesa do crime, enquanto “valor”. Apologia do Homicídio significa defendê-lo enquanto ação humana justificável, por exemplo, mas de forma enfática e sem as amarras das excludentes de ilicitudes. Apologia do crime é torná-lo bom e valioso socialmente. Nesse quadro, a conduta criminosa desafiada deve ser de forma aberta e escancarada, sem freios, ao alcance de qualquer, mas qualquer nível de entendimento. Músicas que relatam o cotidiano de comunidades vulneráveis não são apologéticas (perdoe o termo). Fosse assim, “Diário de Um Detento”, um épico sobre a periferia, seria considerado, não a obra prima que é, mas uma conduta criminosa”.
Facções criminosas:
“Lidar com as facções criminosas exige um olhar multidisciplinar para uma questão que envolve vários segmentos do saber científico. Não se combate apenas com polícia e tiro. As facções se combatem com informações, prevenção e melhora das condições de encarceramento, menos prisões desnecessárias, opções de inserção econômica para os mais jovens não dependerem dos favores da criminalidade, dentre outras, como um processo educacional não-alienante, uma condição de vida menos ordinária”.
Tortura:
“Dizer que acabou a tortura no Brasil é acolher a história oficial e negar os fatos que a desafiam. Os métodos investigativos e as formas de empregá-los são por todos conhecidos. A tortura prosseguiu. Gilberto Gil cantou que “nos barracos da cidade/ ninguém mais tem ilusão do Poder da Autoridade.” A tortura seguiu como método investigativo espúrio, porém tolerado pelas autoridades”.
Redes Sociais:
“As redes sociais se introduziram como um novo personagem, entre o real e o fictício. A grande missão é separar a realidade do imaginário e essa confusão pode ser extremamente perigosa e nociva. Primeiro, as redes sociais criaram uma espécie de desoneração do dever do pensamento. Ficamos todos menos pensantes; decidimos mais, é certo, mas refletimos menos. Segundo, as redes sociais nos tornaram paradoxalmente antissociais. Não mais interagimos, não mais convivemos e não mais no tocamos. Terceiro, nossas relações se tornaram mais curtas, mais voláteis, temos cada vez menos espaço para o outro. As redes sociais nos tornaram profundamente individualistas. Onde passa o individualismo, a empatia não tem lugar. Aliás, a empatia é palavra praticamente em desuso”.
Sistema de Justiça no Brasil:
“Não há Justiça se não houver a capacidade de oitiva do outro. Para ouvir, é preciso que tenhamos empatia ainda que minimamente. Uma Justiça que só ouve a si própria acaba se tornando um arremedo de Justiça. Não tenho esperança sobre um novo modelo de Justiça para o Brasil, que não consegue se compreender como nação. Nesse país tão diverso, a única coisa que é essencialmente única é a moeda. Todo o resto varia. Se não soubermos tratar nossas semelhanças a partir de nossas diferenças, não seremos jamais uma nação, senão um amontoado de seres humanos se odiando”.
Artigo 5º
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.