A complexidade do TEA na adolescência

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Por Adriana Cristofoli

Diagnosticar um filho com autismo, ainda na infância, é um recomeço para os pais. Com muitas readaptações na rotina vem o medo do futuro, a necessidade de vários documentos para poucos direitos realmente assegurados por lei. E quando esse “amanhã” chega? Quais os desafios para um adolescente dentro do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)?

A adolescência, conhecida como fase difícil para a família, escola e convívio social, pode ser sentida de forma mais intensa por quem soma na jornada as bagagens da neurodivergência. Como lidar com temas delicados como sexualidade, autoestima, responsabilidades, depressão, ansiedade e comportamentos mais rígidos? São muitas perguntas sem resposta e decisões que não podem ser adiadas. Quem sempre se sentiu diferente agora precisa de um lugar no mundo real.

Bianca Cristina Dias, psicóloga, especializada em análise do comportamento aplicada para autista (ABA) e deficiência intelectual acredita que muito se discute sobre a importância da intervenção precoce para crianças com atrasos no desenvolvimento. Contudo, uma lacuna de informação aparece quando essas crianças chegam à adolescência. Esta fase, por si só, já é um período de intensas transformações, no qual o cérebro trabalha para organizar emoções, controlar impulsos e construir uma identidade. “Para adolescentes neurodivergentes, essa jornada pode ser comparada a andar descalço sobre brasas, vivendo em um mundo que exige decisões rápidas, maturidade precoce e respostas que nem sempre são acessíveis”, declara.

Bianca acredita que a jornada do adolescente neurodivergente exige um olhar que transcenda as estratégias da infância (Alfredo Risk)

Segundo Bianca, o desafio se intensifica porque o tempo de processamento que a mente neurodivergente necessita entra em conflito direto com o ritmo imposto pela sociedade. A psicóloga afirma que as interações sociais se tornam mais complexas e sutis; surgem gírias, conversas sobre temas abstratos e uma expectativa de que dominem habilidades sociais que, muitas vezes, nunca lhes foram formalmente ensinadas.

Nesse cenário, segundo Bianca, as abordagens de ensino utilizadas na intervenção precoce mostram-se insuficientes. “A intervenção na adolescência tende a gerar melhores resultados quando realizada em grupo”, diz. Para ela, esse formato permite que as habilidades sociais sejam praticadas com seus pares, em um ambiente seguro e de compreensão mútua. “Ao encontrar no outro a mesma condição, o adolescente transita de um lugar de “diferença” para um de pertencimento. Essa conexão fortalece a autoestima, a motivação e a segurança para encarar situações novas e se adaptar a elas com mais confiança”, explica.

As mudanças na dinâmica domiciliar também são um fator relevante. Crianças atípicas frequentemente recebem um cuidado e uma proteção mais intensos por parte dos pais, o que, na adolescência, pode dificultar o desenvolvimento da sua independência nas atividades de vida diária. “Identificamos duas dificuldades principais: a primeira é a do próprio adolescente, que necessita de um aprendizado gradual e detalhado para realizar as tarefas cotidianas; a segunda reside nos pais que, por insegurança, falta de tempo ou receio de comportamentos inadequados, relutam em permitir que os filhos assumam responsabilidades em casa”, detalha.

Adicionalmente, a família enfrenta o desafio de compreender e aceitar que a criança com dificuldades cresceu e se desenvolveu. “Com a intervenção adequada, ela terá a capacidade de estudar, trabalhar, estabelecer relacionamentos e levar uma vida funcional, tal como qualquer outro adulto”, afirma.

Bianca acredita que a jornada do adolescente neurodivergente exige um olhar que transcenda as estratégias da infância. Segundo ela, para que a transição para a vida adulta seja uma ponte segura e não um abismo, é fundamental uma tríade de suporte: a intervenção terapêutica correta, focada nas complexas demandas sociais da adolescência e praticada entre pares; o manejo parental consciente, que equilibra cuidado com o estímulo à autonomia; e, crucialmente, a inserção em ambientes que promovam socialização genuína e inclusão. “Ao tecer essa rede de apoio, garantimos que o potencial de cada jovem se desenvolva, permitindo-lhe não apenas se adaptar, mas prosperar com identidade, independência e bem-estar”, finaliza.

A beleza e o desafio que é ser mãe de um ser tão único e especial

Adriana fala que com o tratamento correto a vida de todos fica melhor e isso inclui terapia para cuidadores e a presença de rede de apoio (Arquivo pessoal)

“Quando o Luís nasceu comecei a acompanhar as fases do desenvolvimento dele por um livro que ganhei na gravidez”, conta a mãe do menino, a jornalista Adriana Dorazzi. Ela disse que quando ele estava perto de completar um ano começou a notar que ele dormia muito pouco, gostava de girar objetos e de eletrodomésticos, como o ventilador e a máquina de lavar roupa. Perto dos dois anos falava menos que outras crianças da mesma idade e batia a cabeça quando era contrariado.

Começaram então as buscas por informação. “O Luís nasceu antes da lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, conhecida como Lei Berenice Piana, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil”, diz.

Só depois de cinco anos que ele recebeu o primeiro laudo de TEA e TDAH, mas as terapias e medicamentos começaram antes. “Hoje há muita informação na internet, então os pais têm que estar atentos, há sinais muito precoces de neurodivergências. Quanto antes se inicia a intervenção, melhor para a criança”, orienta.

Adriana fala que com o tratamento correto a vida de todos fica melhor e isso inclui terapia para cuidadores e a presença de rede de apoio. A jornalista fala que passou por muitos médicos, terapeutas, terapias e remédios até chegar no tratamento atual. “Os pais se culpam muito porque querem fazer sempre o melhor, mas o nosso país é muito atrasado em termos de tecnologias e capacitação para cuidados das pessoas com deficiência”, afirma.

Ela citou os EUA onde já é possível diagnosticar o TEA em bebês com meses de idade, e disse que há pesquisas que envolvem a NASA e a criação de mini-cérebros para entender como funcionam os neurônios da pessoa com autismo. Adriana ainda diz que há pessoas com altas habilidades mesmo com os mais diferentes diagnósticos.

Luta e ação

Adriana Dorazzi, é moradora de Cravinhos e transformou a luta em ação criando a Associação de Apoio Multidisciplinar e Educacional de Cravinhos-AAMEC. Como jornalista, ela recebia muitas denúncias de discriminação, bullying, falta de vaga, não cobertura do convênio, entre outras. “Elas procuram o jornalismo como alternativa”, diz.

Percebendo essa carência ela criou a Associação em 2024. No início era só um grupo de WhatsApp onde, juntamento com outras mães, havia trocas de ideias, experiências e conversas, como um grupo de apoio. “Esse movimento foi ganhando vida e fomos nos conhecendo pessoalmente também. A convivência e amizade é muito importante”, declara.

A Associação vive atualmente de voluntariado e realiza eventos, palestras, cursos e conta também com o apoio da prefeitura. “Conseguimos na última semana, aprovar a utilidade pública da AAMEC, que era uma certificação necessária para firmarmos convênios e assim conseguir atendimentos gratuitos à população que mais necessita”, finaliza.

 

Não sou mais criança

Simone Scaglione Souza é mãe do Felipe, de doze anos. Ela recebeu o diagnóstico quando ele tinha três anos e bem assessorada, começou a buscar os tratamentos necessários. “Médicos, exames, terapias e adaptação escolar, essa era nossa nova rotina”, diz Simone.

Felipe quer ser roteirista de filmes de ficção (Alfredo Risk)

Agora houve uma mudança de escola significativa, ele foi para o sexto ano e são vários professores em diversas disciplinas. Um desafio. Para acompanhar este processo o adolescente conta com o apoio terapeutas, psicopedagogos, e claro, da família. Felipe tem dificuldade em aceitar que os amigos tenham gostos infantis. “Isso não é para quem tem 12 anos”, fala.

A chegada da adolescência precisou de suporte. Atualmente ele está numa clínica especializada para adolescentes com atendimento em ABA (Análise do Comportamento Aplicada). “É de extrema importância ter clínicas especializadas para esse público, pois os objetivos são diferentes do tratamento habitual”, fala Simone.

Felipe se comunica bem, tem bom vocabulário e sabe que é autista. Durante a entrevista, ele disse várias vezes que não se conformava com o tarifaço do Trump. Também manifestou o desejo de ser roteirista de filmes de ficção.

Os pais do adolescente não deixam de frequentar nenhum lugar e levam Felipe ao cinema, teatro, shows, shopping, circo e viagens. “Sabemos que o Felipe está numa fase de construção de personalidade e opinião, por isso, acreditamos que quanto mais estímulos, mais aprendizado”, declara Simone.

Agora, o garoto também passou a usar o cordão de girassol para sua própria proteção, principalmente em situações de crise. Simone, quis registrar também o apoio integral do marido. É com ele que ela divide a responsabilidade das agendas do garoto. “Durante esta jornada, vemos muitas mães solo, pois os pais se vão quando chega o diagnóstico”, observa.

“Falar sobre autismo é refletir sobre a nossa própria caminhada, é ser feliz com esse filho que Deus nos deu, é agradecer, pois por ele, somos pessoas melhores”, finaliza.

Para Simone é de extrema importância ter clínicas especializadas para esse público (Alfredo Risk)

 

 

 

 

 

 



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