Equipe identificou três estilos de escrita diferentes que abrangem os nove primeiros livros da Bíblia Hebraica utilizando modelo inovador com base em estatística e linguística
A identidade de alguns autores do livro mais lido do mundo ainda é um mistério – foto FTBB
Quem foram as pessoas que escreveram a Bíblia? A identidade de alguns dos autores do livro mais lido do mundo ainda são um mistério.
Em busca de identificá-los, pesquisadores utilizaram inteligência artificial (IA) em um estudo inovador, que combinou também modelagem estatística e análise linguística.
Os resultados foram registrados na última terça-feira (3) em um artigo da revista científica PLOS One.
Composta por pesquisadores de vários países, uma equipe liderada pela professora de matemática Shira Faigenbaum-Golovin, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, analisou variações sutis no uso de palavras em diferentes textos bíblicos.
Assim, foram identificados três estilos de escrita diferentes que abrangem os nove primeiros livros da Bíblia Hebraica, conhecidos como Eneateuco – isso, de acordo com os pesquisadores, pode dar pistas sobre sua autoria.
Em seguida, com a IA, foi encontrada a autoria mais provável de outros capítulos bíblicos.
Faigenbaum-Golovin acredita que a mesma técnica pode servir para identificar a autoria de documentos históricos.
“Se você estiver analisando fragmentos de documentos para descobrir se foram escritos por Abraham Lincoln, por exemplo, este método pode ajudar a determinar se são reais ou apenas uma falsificação”, exemplifica, em comunicado. “O estudo introduz um novo paradigma para a análise de textos antigos”.
Da cerâmica à Bíblia
A investigação sobre os autores da Bíblia teve como inspiração outro estudo, conduzido por Faigenbaum-Golovin em 2010, em colaboração com o pesquisador Israel Finkelstein, chefe da Escola de Arqueologia e Culturas Marítimas da Universidade de Haifa, em Israel.
Na ocasião, a dupla investigou a autoria de letras encontradas em fragmentos de cerâmica de 600 a.C. a partir de ferramentas matemáticas e estatísticas.
“Concluímos que as descobertas nessas inscrições poderiam oferecer pistas valiosas para datar textos do Antigo Testamento”, disse Faigenbaum-Golovin. “Então, começamos a montar nossa equipe atual, que poderia nos ajudar a analisar esses textos bíblicos.”
Como aconteceu o estudo
Primeiro, os cientistas analisaram com um modelo estatístico de IA a linguagem de três seções principais da Bíblia hebraica: Deuteronômio; depois os livros que correspondem à “História Deuteronomista” – grupo que inclui os livros de Josué, Juízes, 1º e 2º Samuel e 1º e 2º Reis – e também os escritos sacerdotais da Torá (que incluem passagens de Gênesis, Êxodo, Levítico e Números).
“Descobrimos que cada grupo de autores tem um estilo diferente — surpreendentemente, mesmo em relação a palavras simples e comuns como ‘não’, ‘qual’ ou ‘rei’”, detalha Thomas Römer, do Collège de France, em Paris. “Nosso método identifica essas diferenças com precisão”.
A equipe teve dificuldades para encontrar segmentos da Bíblia que mantivessem sua redação e linguagem originais.
Quando encontrados, muitos desses textos eram curtos, consistindo às vezes de só alguns versículos. Isso impossibilitava usar métodos estatísticos e de aprendizado de máquina tradicionais para estudá-los.
Por isso, os cientistas criaram um método personalizado para avaliar os dados. “Passamos muito tempo nos convencendo de que os resultados que estávamos obtendo não eram vazios”, diz Faigenbaum-Golovin. “Tínhamos que ter absoluta certeza de que eram significantes, estaticamente falando”.
Para solucionar a questão, os autores da pesquisa usaram uma metodologia mais simples e direta, que comparava padrões de frases e a frequência com que certas palavras ou raízes de palavras apareciam em diferentes textos.
Depois, o modelo foi testado com 50 capítulos dos nove primeiros livros da Bíblia — cada um dos quais já havia sido atribuído por estudiosos a um dos três estilos de escrita mencionados acima.
Só então a equipe aplicou seu modelo a capítulos da Bíblia cuja autoria era mais debatida. Isso permitiu determinar qual grupo de autores tinha maior probabilidade de tê-los escrito e o porquê.
“Uma das principais vantagens do método é sua capacidade de explicar os resultados da análise, ou seja, especificar as palavras ou frases que levaram à alocação de um determinado capítulo a um estilo de escrita específico”, explica o coautor do estudo, Alon Kipnis, da Universidade Reichman, em Israel.
Conclusões do estudo
A conclusão dos pesquisadores foi que o texto de “1º Samuel” não se alinha com nenhum dos escribas que assinam textos da Bíblia analisados no estudo.
No entanto, as duas seções da Narrativa da Arca nos livros de Samuel abordem o mesmo tema e sejam, às vezes, consideradas partes de uma única narrativa.
Além disso, o capítulo de “2º Samuel” mostra afinidade com os livros da “História Deuterenomista” (de Josué a Reis). Isso indica que eles podem ter os mesmos autores.
Agora, os cientistas buscam usar a mesma metodologia para desenterrar novas descobertas sobre outros textos antigos, como os Manuscritos do Mar Morto.
“Demonstramos que a investigação de textos bíblicos por meio da análise estatística de frequência de palavras/bigramas/trigramas é uma linha de pesquisa promissora”, dizem os pesquisadores em seu artigo.
Fonte: Galileu