Por Adalberto Luque
É crescente o número de casos de abandono e violência contra idosos. E a cidade não dispõe de muitas vagas em casas de acolhimento para longa permanência. Oficialmente, cinco entidades, todas filantrópicas, prestam esse serviço, oferecendo juntas, no total, 193 vagas, das quais, 90 destinadas a pessoas que conseguem viver de forma autônoma e outras 103 para pessoas com diferentes graus de problemas físicos e psicológicos.
De acordo com o Painel da Violência, abastecido com dados oficiais pela Prefeitura de Ribeirão Preto, entre 01 de janeiro de 2014 e 30 de maio de 2025 foram registrados 690 casos de violência contra pessoas idosas.
A grande maioria destes casos está na faixa dos 60 a 69 anos, com 405 registros. Depois, vem a faixa dos 70 a 79 anos, em que 177 idosos foram vítimas de violência no período. E acima dos 80 anos foram registrados 108 casos.
Os dados apontam que 55,56% foram casos de violência psicológica ou abandono e 43,15% foram violência física. No Painel da Violência, é possível notar que, ano após ano, os casos vão apresentando um crescimento.
Rede de apoio
Segundo a médica geriátrica Daniela Maria Cardozo, responsável pela Coordenadoria de Saúde da Pessoa Idosa da Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão Preto, os casos têm aumentado e há uma rede de apoio para coibir a violência contra a pessoa idosa.
Essa rede envolve, por exemplo, a Secretaria de Assistência Social (Semas), unidades de saúde, polícias Civil e Militar, Guarda Civil Metropolitana, agentes comunitários de saúde, bombeiros, entre outros profissionais e setores.
“Chegam muitas denúncias à Secretaria da Saúde. São casos de idosos que moram só, não têm como se cuidar. Outros em situação de abandono. Se o idoso é usuário da saúde municipal, acionamos os agentes comunitários de saúde para saber se ele tem ido buscar medicamento ou procurado atendimento. Buscam saber, inclusive se o idoso tem suporte alimentar”, explica Daniela.
A médica geriatra explica que há casos em que morre um dos cônjuges e a família não consegue dar suporte, controlando medicamentos e alimentação. Há idosos sequelados, filhos que fizeram empréstimos vinculados à aposentadoria e o que sobra mal dá para o idoso se alimentar. Ou filhos dependentes químicos que vendem tudo do idoso para comprar drogas.
“São várias as formas de violência, não apenas a violência física. Existe a psicológica, patrimonial [financeira], institucional, sexual. A negligência, o abandono e a discriminação são também formas de violência contra o idoso. Temos casos onde o idoso tem até medida protetiva contra o agressor, mas acaba retirando. É como nadar e morrer na praia”, pontua.
Para buscar minimizar o problema, a Coordenadoria procura encaminhar o idoso para programas específicos, orientá-lo e, junto à Semas, ver se consegue vaga em uma casa de longa permanência. “A busca é incessante e, às vezes, temos que recorrer até ao Ministério Público para obter tal vaga”, conclui Daniela, lembrando que a Coordenadoria investiga todas as denúncias recebidas.
Todos podem denunciar maus-tratos: pelo número 161, na Semas, na Coordenadoria do Idoso ou pelo Disque 100. As denúncias, inclusive anônimas, são tratadas de imediato pela equipe técnica.
Violência em casa
O Painel da Violência aponta que, em 82,01% dos casos, a agressão ocorre na casa das vítimas ou de familiares. A região oeste de Ribeirão Preto lidera o número de casos de violência contra o idoso, com 179 registros, seguido da região leste, com 141. As regiões central, norte e sul vêm respectivamente com 129, 121 e 104 casos. Outros 16 não tiveram a região especificada na notificação.
Vice-presidente da casa do vovô e vice-presidente do Conselho Municipal do Idoso (CMI), a coordenadora de Enfermagem Ana Paula de Oliveira também enxerga o aumento de casos de violência e abandono contra pessoa idosa. Ela acredita que isso esteja relacionado com o aumento da população idosa pela expectativa de vida e pela baixa taxa de natalidade.
Além de elaborar várias propostas de políticas públicas para o idoso, o CMI reforça a conscientização para a violência contra a pessoa idosa. No Junho Violeta, para pontuar a data que expõe casos de violência e abandono de idosos, uma ação na Praça XV, região central, esclareceu todos os tipos de violência, destacando a emocional, sexual, física e patrimonial.
“Em especial financiamos projetos biopsicossocial, composto por psicólogo, fisioterapeuta, assistente social, terapeuta ocupacional, enfermeiro e visitadores (auxiliares de enfermagem). Esse projeto atende idosos vulneráveis da comunidade, capacita a pessoa que cuida desse idoso a cuidar com qualidade e dignidade, orienta práticas no cuidado, dá apoio psicológico, orientações de saúde, ajuda na reinserção desse idoso no SUS; trabalha o cognitivo desse idoso; faz mediação de conflito quando existe vínculos rompidos; enfim o objetivo principal é melhorar a qualidade de vida desse idoso, para tentar evitar uma institucionalização e quando não possível, ao menos retardar esse processo”, explica Ana Paula.
A vice-presidente do CMI entende que o problema deva aumentar diante do aumento da população idosa, mas se diz otimista quanto à atual equipe do Semas. “A responsabilidade de criação de novas vagas é da Secretaria de Assistência Social e esse governo se diz sensibilizado pela causa e tentando solucionar essa demanda”, pontua Ana Paula.
Lista de espera
Atualmente, existem cinco Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) no município, todas filantrópicas: a Casa do Vovô, o Lar Padre Euclides, o Lar dos Velhos, o Lar Santa Rita e o Lar do Vovô Albano. Juntas, oferecem cerca de 200 vagas, todas ocupadas.
Mas, segundo o Secretário de Assistência Social, Júlio Balieiro, esta ampliação não se limita à criação de vagas. “É a materialização de um compromisso com a vida, o respeito e a autonomia da pessoa idosa, oferecendo não só um lar, mas um espaço de cuidado integral onde cada história seja valorizada. Sabemos que temos muito a fazer, que os desafios são grandes, mas estamos empenhados em fortalecer a nossa Rede de Acolhimento Institucional para Pessoas Idosas”, destacou.
Balieiro destaca que a atual gestão municipal tem consciência dos desafios que a população idosa da cidade enfrenta e reafirma o compromisso de priorizar a terceira idade, especialmente diante do crescimento significativo dessa parcela da população.
“O envelhecimento da cidade, infelizmente, não foi adequadamente planejado pelas gestões anteriores, o que resultou em uma grande demanda por serviços de acolhimento e assistência”, observa.
Atualmente, a cidade conta com 193 vagas em cinco casas de acolhimento filantrópicas para idosos, todas ocupadas. São vagas voltadas a pessoas idosas em situação de vulnerabilidade, sem renda ou rede de apoio, com diferentes níveis de dependência.
O tempo de espera para atendimento varia de acordo com a demanda e a complexidade dos casos, após avaliação técnica das equipes, que também realizam encaminhamentos para benefícios eventuais, conforme o perfil da pessoa idosa.
A fila de espera atual é de 96 pessoas, sendo 80% de grau III. Há editais em andamento para duas novas casas de acolhimento, cada uma com 25 vagas.
Ana Paula, da CMI, também fala destas 25 vagas destinadas a idosos a partir de 60 anos nos graus de dependência moderada e alta. “Porém as 5 ILPIs já conveniadas preferem não conseguir abrir mais vagas se não passarem por reformas internas de adequação do espaço e reivindicam apoio financeiro da Secretaria para essa adequação”, explica.
Ana Paula, que também é vice-presidente da Casa do Vovô, cita a entidade como exemplo. “Hoje acolhe 85 pessoas idosas, com grau de dependência 3, possuem uma estrutura já construída que precisa apenas reformar e a partir da reforma conseguiriam atendem mais 88 idosos”, avalia.
Ela também reforça que a lista de idosos aguardando vagas é um número subdiagnosticado. “Temos consciência de vários idosos que também necessitam, mas pelo conhecimento da burocracia e falta de vagas e falta de pessoas que lutem por eles acabam não procurando ajuda”, encerra Ana Paula.
Irregularidades
Muitas famílias, diante da impossibilidade de vagas, recorrem a casas de repouso particulares. O problema é que, em alguns casos, há relatos de maus-tratos, violência física e até apropriação da aposentadoria dos idosos.
As famílias internam o idoso nestes estabelecimentos e não há um acompanhamento frequente de como o parente vem sendo tratado.
Recentemente, a proprietária de três casas de repouso foi notificada para que fizesse a remoção de todos os acolhidos para suas respectivas famílias ou para instituições de longa permanência, devidamente habilitadas. O prazo terminaria no dia 13 de junho, estipulado pela Justiça de Ribeirão Preto, por meio da Vara do Idoso.
As casas ficam nos bairros Alto da Boa Vista (Zona Sul), Antônio Marincek (Norte) e no Centro da cidade. A determinação partiu do juiz Paulo César Gentile após o promotor de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, Carlos Cezar Barbosa, impetrar, no mês de abril, ação civil pública pedindo o fechamento das casas de repouso.
Disse à época que colocavam em risco a vida dos 70 idosos abrigados. No mês de março, blitze nos equipamentos feitas pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) pela Divisão de Vigilância Sanitária da Secretaria da Saúde detectaram as irregularidades.
Centro Dia
Uma das opções para famílias que trabalham fora e só conseguem ficar com os idosos no período da noite é oferecido pela Semas. Trata-se do Centro Dia de Referência para o Idoso, que promove o acompanhamento de idosos em situação de vulnerabilidade, isolamento e risco social, sem comprometimento cognitivo ou com alteração cognitiva controlada, onde as famílias têm dificuldade em prover os cuidados necessários durante o dia ou parte dele, requerendo, assim, o auxílio de pessoas ou de equipamentos especiais para a realização de atividades da vida diária, tais como alimentação, mobilidade, higiene. Funciona como uma espécie de creche.
Diversas atividades como oficinas de artes manuais, atividades físicas e desportivas e outras de convívio estão à disposição dos frequentadores. E a procura é tamanha que a secretaria já se prepara para criar um novo Centro Dia, com 20 vagas.
Expectativa de vida dos brasileiros é de quase 78 anos
Para mulheres a expectativa é maior, 81,22 anos
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a expectativa de vida para o brasileiro em 2025 é de 77,8 anos. Para os homens é de 74,38 anos e para as mulheres 81,22 anos.
Com a longevidade aumentando, o Brasil convive com duas realidades: mais idosos exigem redes de apoio e também mais proteção, já que o ambiente doméstico — onde ocorrem a maior parte das violências — não está preparado para acolhê-los.
Em 2024, o Disque 100 recebeu mais de 657 mil denúncias — aumento de 22,6% em relação ao ano anterior — e revelou mais de 4,3 milhões de violações de direitos humanos, um quadro que reflete o crescimento e a complexidade do tema no País. Entre essas denúncias, a negligência aparece como a mais frequente, com cerca de 45% do total.
A violência psicológica e a exposição ao risco de saúde também se destacam, com quase 400 mil e 368 mil casos, respectivamente.
Estatuto do Idoso
Aprovado em 2003, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) representa a principal legislação brasileira voltada à proteção e promoção dos direitos das pessoas com 60 anos ou mais. O texto assegura direitos fundamentais e impõe responsabilidades à família, à sociedade e ao Estado no cuidado com os idosos — especialmente em situações de vulnerabilidade social, física ou emocional.
O Estatuto assegura, por exemplo, atendimento prioritário no SUS, gratuidade nos transportes públicos urbanos e interestaduais, e meia-entrada em eventos culturais e esportivos. Também estabelece que as famílias são responsáveis diretas pelo idoso. Na falta de familiares, sociedade e Estado também têm deveres.
O texto tipifica os crimes praticados contra brasileiras e brasileiros com mais de 60 anos. O abandono, por exemplo, pode render prisão de seis meses a três anos e multa a quem deve cuidar, como filhos, netos, tutores ou responsáveis legais.
Expor o idoso a perigo em instituições como hospitais, asilos, casas de repouso ou até mesmo no ambiente familiar tem pena de detenção de 3 meses a 1 ano e multa.
Submeter o idoso a condições desumanas ou degradantes ou privá-lo de cuidados indispensáveis: reclusão de 2 meses a 1 ano e multa.
Violência física ou psicológica: bater, ferir, humilhar ou causar sofrimento emocional ao idoso parte de detenção de 6 meses a 1 ano, podendo aumentar se houver lesões graves.
Apropriação ou uso indevido de bens, pensão ou renda do idoso sem o devido consentimento significa reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Se o sistema funcionar, mesmo com aumento da expectativa de vida e crescimento da população idosa, questões como violência e abandono podem retroceder. Basta que se cumpram as Leis e os programas se intensifiquem para proteger quem precisa.