SP paga mal e tem alto déficit de policiais civis

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Por Adalberto Luque

 

Com salários congelados há dois anos e previsão de apenas 5% de reajuste para 2025, a Polícia Civil de São Paulo enfrenta um cenário de desvalorização profissional, evasão de servidores e colapso funcional. Apesar de o estado ser o mais rico da federação, os policiais civis paulistas estão entre os mais mal remunerados do país. A defasagem, somada ao custo de vida crescente e à falta de efetivo compromete a operação das delegacias e o andamento das investigações em todas as regiões do estado, inclusive Ribeirão Preto.

O reajuste anunciado para o próximo ano é considerado insuficiente pela categoria. Na prática, os 5% mal repõem as perdas inflacionárias recentes e não representam qualquer ganho real. Policiais civis da ativa, aposentados e pensionistas passaram o ano de 2024 sem qualquer correção nos vencimentos. O descontentamento é crescente, e muitos servidores relatam frustração, esgotamento emocional e sensação de abandono institucional.

“Todos os dias entram dezenas de inquéritos. Nos Distritos Policiais, o número de investigadores, escrivães e delegados é muito abaixo do necessário. Temos que escolher o que vamos investigar, priorizando os crimes mais graves. E, para nós, é uma escolha muito difícil, porque alguém que foi vítima de um crime de menor potencial ofensivo vai se prejudicar. Para nós, é frustrante”, conta um servidor que atua há 26 anos na Polícia Civil em Ribeirão Preto e região, que pediu para não ser identificado.

Segundo o Sindicato dos Policiais Civis da Região de Ribeirão Preto (Sinpol), essa falta de valorização tem desestimulado os profissionais que ingressaram na carreira com expectativa de estabilidade e reconhecimento. “A cada governo que passa pelo Palácio dos Bandeirantes, a situação é mais desesperadora. Independente de partido, os policiais civis continuam sendo tratados como servidores de segunda classe”, afirma a presidente do Sinpol, Fátima Aparecida Silva.

Entre os piores salários

Um levantamento feito pelo sindicato, com base em dados da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp) e outras entidades, mostra que São Paulo paga salários abaixo da média nacional. Um delegado de 3ª classe inicia com cerca de R$ 15 mil brutos, enquanto escrivães e investigadores recebem aproximadamente R$ 5.800. Já os cargos de base, como agentes policiais, atendentes de necrotério e auxiliares de papiloscopia, recebem vencimentos inferiores a R$ 5 mil.

Em estados como Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Paraná e Tocantins, os salários iniciais chegam a ser até 50% superiores. O resultado disso é a fuga de bons profissionais, que prestam concurso para outras unidades da federação ou migram para atividades privadas. A carreira, antes atrativa, deixou de ser sonho para se tornar um fardo, segundo a entidade sindical.

Além disso, o avanço na carreira é lento e pouco recompensador. Muitos policiais relatam dificuldades em obter promoções, mesmo com anos de trabalho. A última reestruturação, em 2023, não corrigiu distorções e gerou desigualdades, especialmente entre categorias da mesma instituição. “A Polícia Civil sofreu com disparidades no reajuste escalonado proposto pelo governo Tarcísio de Freitas. Coisa que não aconteceu, por exemplo, com a Polícia Militar”, critica Fátima.

Colapso de efetivo

A Polícia Civil de São Paulo enfrenta um déficit alarmante de efetivo. Embora o quadro legal preveja cerca de 42 mil cargos, apenas 27 mil estão ocupados atualmente — ou seja, mais de 14 mil postos vagos. Esse déficit superior a 34% impacta diretamente o atendimento à população e o andamento de inquéritos policiais. Faltam investigadores, escrivães, peritos, legistas e também servidores administrativos.

“Sabemos que nossa diretoria regional tem se empenhado para minimizar esse abismo em nossa região. Mas, para normalizar a situação, o governo estadual precisa agir com rapidez e efetivar concursos públicos com volume adequado de vagas. É urgente contratar investigadores, escrivães, agentes policiais e delegados. Em resumo: falta vontade à equipe do governador em enfrentar o problema da Polícia Civil”, afirma Fátima.

A questão atinge também a Polícia Técnico-Científica, fundamental para a realização de perícias criminais, necropsias, exames de balística e análise de provas digitais. Esse setor, considerado estratégico, enfrenta escassez de pessoal qualificado e sobrecarga crescente diante do avanço da criminalidade tecnológica.

Na prática, o cenário é de delegacias operando no limite, com plantões mantidos por equipes reduzidas, acúmulo de funções, viaturas paradas por falta de motoristas e investigações que se arrastam por anos. Muitas vezes, o funcionamento das unidades só se mantém pelo empenho individual de policiais que permanecem na ativa. “Nosso verdadeiro patrão é o povo. É por ele que seguimos em frente”, destaca a presidente do Sinpol.

Cidade sofre

A cidade de Ribeirão Preto, com mais de 700 mil habitantes, exemplifica bem a situação. O ideal seria ter 443 policiais civis em atividade, mas apenas 333 cargos estavam ocupados em 2023, segundo levantamento do Sinpol. O déficit de 110 servidores representava quase 25% da força prevista. Na região como um todo — que compreende 93 municípios — faltam mais de 800 policiais civis.

Em diversas unidades, há apenas um escrivão ou um investigador para todo o trabalho. Delegados respondem por duas e até três delegacias de cidades da região. A consequência é o acúmulo de tarefas, lentidão nos boletins de ocorrência e atraso em investigações. Delegacias especializadas, como as voltadas ao atendimento de mulheres vítimas de violência ou adolescentes em conflito com a lei, nem sempre funcionam com equipe completa todos os dias, sobrecarregando os profissionais.

Além do déficit humano, há problemas estruturais: viaturas sucateadas, falta de equipamentos básicos, prédios alugados sem acessibilidade e instalações precárias. Algumas delegacias operam em condições insalubres, mesmo em cidades de médio e grande porte.

Apesar dos problemas, a região ainda apresenta índices de produtividade altos. “Temos policiais civis que se dedicam ao máximo. Vemos, por exemplo, os crimes de grande notoriedade, todos resolvidos, ao mesmo tempo em que os policiais civis seguem outros trabalhos paralelos. Chega a surpreender que, mesmo diante de tanta adversidade, a produtividade e a eficiência sejam altas”, aponta.

Concursos morosos

Nos últimos meses, o governo estadual anunciou a abertura de concursos públicos com milhares de vagas e prometeu nomeações para os próximos anos, além de bonificações por desempenho. No entanto, os números ainda não compensam as perdas. Entre 2016 e 2024, mais de 5 mil policiais civis deixaram a instituição. Em muitos casos, os aprovados nos concursos desistem ao conhecer os salários ou ao serem convocados por outros estados com remuneração mais atrativa. Ou ainda por serem aprovados em concursos que considerem mais atraentes profissionalmente.

Além disso, o tempo entre a abertura do edital, a formação e a nomeação podem ultrapassar dois anos. Quando finalmente nomeado, o policial já encontra uma realidade desmotivadora. “Muitos entram por concurso, mas não têm vocação. Logo percebem os riscos e a falta de estrutura, e se arrependem. Há também concurseiros que tratam a Polícia Civil como trampolim”, explica Fátima.

Outro gargalo é o número de vagas ofertadas: nem todos os concursos contemplam a totalidade do déficit. Mesmo com certames em andamento, a defasagem persiste. “Nossa região tem recebido um número maior de nomeações graças ao trabalho do dr. Jorge Amaro Cury Neto, diretor do Deinter-3. Mas ainda é insuficiente. O processo é pouco transparente quanto à distribuição dos aprovados entre as regiões”, observa a dirigente sindical.

Futuro incerto

O acúmulo de problemas — baixos salários, falta de perspectiva, carga excessiva e abandono institucional — tem tornado a carreira cada vez menos atrativa. Internamente, o ambiente é de cansaço e desmotivação. Externamente, a população sofre com atendimentos precários, lentidão em investigações e sensação crescente de insegurança.

A improvisação virou regra. Policiais de uma delegacia são deslocados para cobrir lacunas em outra. Sem um plano de carreira digno, concursos regulares, estrutura adequada e valorização real, o sistema tende ao colapso. Menos policiais, menos investigações, mais impunidade.

“O Sinpol acompanha a tramitação da Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado de São Paulo (LOPCESP), cujo texto-base está em fase final. É nossa esperança de modernizar a carreira, valorizar os servidores e estabelecer um plano de cargos e salários condizente com o nível universitário exigido para ingresso na instituição”, aduz.

A promessa de apenas 5% de reajuste em 2025, após dois anos de congelamento, é mais um sinal das incertezas vividas pelos policiais civis. “O recado está dado: a valorização da Polícia Civil ainda não é uma agenda de Estado”, conclui Fátima.

Outro lado

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) se manifestou por nota, onde cita reafirmar compromisso com a valorização dos profissionais da segurança pública e o fortalecimento das forças policiais em todo o Estado. “Desde o início da atual gestão, a SSP tem implementado ações concretas para combater o déficit de efetivo.”

A SSP garante ter promovido a maior nomeação da história da Polícia Civil, com mais de 4 mil vagas preenchidas, incluindo 1.078 remanescentes dos editais de 2022, número 36,7% superior ao inicialmente previsto.

“Ao todo, são mais de 21,8 mil novos policiais entre agentes já formados, concursos em andamento e vagas autorizadas para as polícias Civil, Militar e Técnico-Científica. Além disso, estão previstas 133 novas viaturas para a Polícia Civil, com entrega a partir de agosto de 2025, ampliando a capacidade operacional da instituição.”

De acordo com a secretaria, em junho deste ano, foi concedido reajuste salarial linear de 5% aos policiais, totalizando um aumento médio de 20,2% desde o início da gestão. “Além disso, o Governo do Estado pagou R$ 533 milhões a 373.120 servidores e policiais como parte da Bonificação por Resultados (BR) relativa aos seis bimestres de 2024”

A SSP encerra a nota informando que a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) também está sendo fortalecida. “Foram nomeados 217 novos peritos criminais.”

 

 

 

 

 

 



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